Escrevo este artigo às 19:12 h desta quarta-feira, enquanto assisto à leitura do voto do eminente ministro do STF, Eros Grau, relator da ADPF 153, que trata da matéria em epígrafe.
Antes que os demais ministros externalizem seus votos, já se faz presente a sensação de que estaria a mais alta corte do país buscando uma saída política, através da utilização das mais variadas justificativas de natureza técnica, para ignorar o poder do texto constitucional.
Na condição de professor de Direito Constitucional, e em respeito à responsabilidade que penso ter perante meus alunos, do passado e do presente, gostaria de ser breve e, na medida do possível, preciso.
O poder constituinte originário, responsável pela elaboração de uma nova constituição, é ilimitado, na mais ampla acepção do termo. Não existe balizamento para o conteúdo da nova ordem constitucional, responsável pela criação de um novo Estado.
Em 05 de outubro de 1988, surgia um novo país, um novo Estado: a República Federativa do Brasil. Ocorreu, portanto, o surgimento de uma nova ordem jurídica, que não estava obrigada a respeitar sequer os direitos adquiridos, os atos jurídicos dito perfeitos ou mesmo a coisa julgada, pois tais não subsistem obrigatoriamente perante o novo texto constitucional. O legislador originário pode tudo, ilimitadamente, sendo esta a lição mais básica de direito constitucional, aprendida nos bancos das faculdades de direito de todo o país.
Entre outros dispositivos constitucionais, com relação ao tema deste breve artigo (escrito, confesso, sob o calor de minha indignação com relação ao que considero um desrespeito à boa técnica), gostaria de destacar os seguintes:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - ...
II - ...
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - ...
II - prevalência dos direitos humanos;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
...
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;...
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
...
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
...
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
...
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Pela simples leitura dos dispositivos constitucionais transcritos, impossível outra conclusão senão a da não-recepção da lei da anistia pela ordem constitucional de 1988, e consequente possibilidade de processo e julgamento de todos os atos criminosos praticados durante as sombrias décadas de 60, 70 e 80, a título de proteção da "segurança nacional", seja lá o que signifique tal expressão, não se podendo argumentar encontrarem-se os mesmos prescritos, haja vista o disposto no inciso XLIII do art. 5º de nossa carta.
A sessão de julgamento foi suspensa às 19:45 h, após o voto do relator Eros Grau, no sentido da "improcedência da ação" (sic), o que me irrita um pouco mais, como jurista, pelo fato de que toda ação judicial é procedente, posto que o Estado retirou de todos nós o poder de autotutela, ressalvadas hipóteses especialíssimas, de que são exemplos a legítima defesa e o desforço imediato para a manutenção da posse.
Procedente ou improcedente será o pedido eventualmente formulado, jamais a ação em si, sempre procedente.
Aguardemos os demais votos.
Segue reportagem, resumindo a situação do julgamento:
Eros Grau vota contra revisão da Lei da Anistia
28/04 às 20h02 O Globo; Agência Brasil
BRASÍLIA - O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira pela improcedência da ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pede a revisão da Lei de Anistia, em vigência há mais de três décadas no país e que ainda suscita polêmica. Eros Grau, que é relator da ação, alegou que o texto da lei é objetivo e que por isso não deve ser revisto. O julgamento foi interrompido no início da noite e será retomado às 14h desta quinta-feira com o voto dos demais ministros.
- O que importa é que (a anistia) seja referida a um ou mais delitos e não a determinadas pessoas. Liga-se a fatos. A anistia é mesmo para ser concedida a pessoas indeterminadas e não a determinadas pessoas - ressaltou.
Em longo e minucioso voto, Eros Grau fez uma reconstituição histórica e política das conjunturas que levaram à edição da Lei da Anistia. Para ele, não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Para o ministro, se isto tiver de ocorrer, tal tarefa caberá ao Congresso.
A tendência é a Corte manter a validade da lei. Com isso, continuaria vedada a possibilidade de processar policiais e autoridades que, durante a ditadura militar, cometeram ou participaram de crimes contra os direitos humanos. A mesma impossibilidade continuará valendo também para militantes que infringiram leis para lutar contra governos.
Em sua sustentação oral, o advogado Fábio Konder Comparato, que representa a OAB, disse que a decisão do Supremo poderá "recompor o Estado brasileiro na posição de dignidade no concerto das nações" e recuperar a "honrabilidade" das Forças Armadas.
Ele questionou a legitimidade da lei, votada, segundo ele, por um "parlamento submisso" ao regime militar e indagou se "é lícito os militares terem se tornado capitães do mato".
AGU e PGR reiteram parecer contrário à ação
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel Santos, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, deram parecer de improcedência à ação. Para Adams, a Lei da Anistia "foi ampla, geral e irrestrita". Já para Gurgel, admitir a ação seria "romper com o compromisso feito naquele contexto histórico".
A audiência não lotou o plenário da Corte e do lado de fora do tribunal cerca de 20 manifestantes, identificados com bonés e bandeiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mantinham no início do julgamento retratos de pessoas mortas e desaparecidas à época da ditadura militar.
A amplitude da Lei da Anistia está no centro de uma discussão entre o ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Vannuchi defende que os torturadores não se beneficiem da Lei de Anistia, enquanto Jobim acredita que a lei vale para todos.
Pelo menos dois ministros - Gilmar Mendes e Marco Aurélio - já se manifestaram de modo favorável à Lei de Anistia. Eles acreditam que a lei é o marco da redemocratização no país e que mudá-la poderia causar instabilidade institucional.
O tema, entretanto, não é unanimidade na Corte. Celso de Mello já afirmou que tratados internacionais e decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceram que os governos não têm poderes para conceder anistia a si mesmos. Mesmo com a lei revista, seria difícil punir os agentes da ditadura.
No Brasil, o crime com prescrição mais longa é o homicídio: 20 anos. Já a tortura é imprescritível. No entanto, essa regra não valia quando a Lei de Anistia foi editada. E, segundo a Constituição, nenhuma norma pode retroagir para prejudicar o réu.
Excelente matéria Profº, acho que essa lei deveria ser aprovada, para que esses filhos da puta possam pagar pelos crimes que cometeram.
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